Na esquina do supermercado com o parque. Um acidente de trânsito. Nenhuma vítima fatal. Um tumulto matinal se formou. Mas isso não nos interessa.
Enquanto isso, lá dentro do supermercado...
Ela, a caixa do supermercado, passou a compra, mas, não registrou todos os itens. O que deu uma singela diferença de R$ 54,00; exatamente o que precisava para comprar a tintura “louro claro” que a deixa tão mais linda do que já é. Assim, é o que diz todos os dias, ao seu espelho trincado, logo pela manhã, com a boca ainda cheia de espuma branca do creme dental. O espelho não diz nada. Só reflete. Mas parece não concordar muito com a caixa do supermercado.
Ela passa o dia todo somando e registrando os preços dos produtos consumidos, desenfreadamente, pelos clientes que se jogam nas gôndolas brincando o rito do comprar. As gôndolas são grandes, coloridas e variadas. Já, nos contêineres, que também são grandes, não há variação dentro dele. É espaço exclusivo de um só produto. Era isso que a Loren queria ser para o Alberto: um contêiner. Mas quando ela se lembra do Alberto, mais se sente numa gôndola, cercada de concorrentes vestidas em embalagens mais atraentes.
O Alberto é encarregado do setor de estoque e, segundo a Loren, o homem mais “gianecchini” que ela já conheceu. O cara é perfeito e a Loren suspira a cada olhar que o Alberto lança sobre ela. A Loren diz que o Alberto é muito respeitado e admirado na rede de supermercados “amorbarato” e, que os seus subordinados o adoram. Também, quem não adora o Alberto? Só deve ser louco.
__ “Desculpe querida, mas você não entregou o meu troco.”
__ “Ah! Desculpe-me senhora. Que desatenção a minha. Aqui está seu troco. Três reais e vinte e cinco centavos.”
__ “Obrigada.”
O dia mal havia começado e a Loren sentia que este, ia ser diferente. No ônibus que utiliza todos os dias para chegar ao trabalho, notou que as “caras” de sempre, naquele horário, estavam mais alegres e menos embrutecidas como era de costume. Loren teve certeza de que este era um sinal de que a ela estava reservada a melhor surpresa do dia. Até o café que tomou no trabalho, às sete horas e quinze minutos, estava mais gostosinho. Gosto de café mesmo. Você sabe como é.
Alberto também pensava muitas coisas a respeito da Loren. Mulher. Bonita. A pele morena, mas, os cabelos eram loiros. Trabalha na rede há quatro anos. Nunca se ouviu falar de um namorado da Loren, ainda que sua barriga gostosa e peitos grandes acenem uma maternidade cansada.
Alberto, que pensou isso tudo tomando o mesmo café gostosinho saboreado mais cedo pela Loren, decidiu convidá-la para almoçarem juntos no restaurante da Sônia, que serve um prato feito caprichado e bem servido, a custo só de quatro reais.
__ “Ah Alberto, que pena. Hoje eu trouxe minha marmita com um guisadinho de carne com mandioca delicioso que eu fiz ontem pras crianças. Você não gostaria de dividi-lo comigo?”
__ “Claro. Seria ótimo. Onde comemos então?”
__ “Podíamos ir até o parque da esquina.”
__ “Combinado. Onze horas eu já estou batendo o meu cartão. Te espero no relógio do cartão de ponto.”
Loren não confessou, mas sabemos, sentiu um frio na espinha, daqueles, ao perceber as calças justas, do encarregado, a marcar-lhe as cochas.
__ “Ai!” Sempre que fazia uma cagada, Loren se dava um beliscão. Foi o que acabou de fazer __ “Burra!”. Pensou: o Alberto me convidou pra almoçar com ele e eu ofereço a minha marmita? Que burra. Estraguei a oportunidade. Mas também, se ele aceitou, vai ver gosta de guisadinho de carne com mandioca. Sem falar que a comida da Sônia, segundo meus colegas me contaram é horrível. Desaborizada. Será que ele notou a raiz preta do meu cabelo? Agora não da mais tempo de pintar antes das onze horas. E mesmo que desse tempo, como aplicaria a tintura aqui no supermercado?
Passou Loren a manhã toda pensando, dialeticamente, ora a raiz preta do cabelo; ora o guisadinho de carne com mandioca na marmita.
O dilema de Loren se resolveu foi na marmita mesmo. A raiz do cabelo, preta continuou. Loren apostou todas as suas fichas no seu tempero e carregou orgulhosa e confiante, a sua marmita.
Aquela manhã passou lenta, arrastada e pesada. Mas para Loren foi como um longo dia de pagamento de salários, daqueles em que os supermercados lotam de compradores, que não acabasse. Ainda assim, com muita esperança, pois, finalmente teria a chance de estar junto do Alberto.
O Parque muito arborizado oferecia várias sombras aos visitantes. A caixa e o encarregado sabiam que tinham escolhido a melhor.
Loren foi sedutora. Alberto já achava isso. Mas ao vê-la desamarrando o pano de prato que envolvia a marmita, com mãos lindas e marcadas, seu entusiasmo se agigantou nas calças despudoradamente. Os peitos de Loren, no decote pouco confortável, favoreceram e estimularam o apetite do Alberto. O cheiro era muito bom. Alberto serviu refrigerante para Loren e esta ofereceu o talher para que Alberto desse a primeira garfada.
Comeram ali sentados na grama, a sombra de um ipê amarelo, atrevido e florido, todo o guisadinho. Entre uma garfada e outra, só mastigação e olhares. Nenhuma palavra [nenhum queria fazer feio falando de boca cheia e, para não arriscarem o encontro, mantiveram-se calados]. Mastigavam-se naquele guisadinho de carne com mandioca. Nada, absolutamente, diziam um ao outro. O som que se ouvia era som de parque e som de mastigação. O som da mastigação, sabemos, é baixo. Para dentro. O som do parque é barulho urbano, das ruas e é grave.
Partilharam a marmita, a fome, o relógio de ponto. Partilharam a sombra e os ruídos do parque. Partilharam o ar e o olhar.
Alberto agradeceu a Loren que lhe respondeu com um sorriso futuroso.
O encontro, na esquina, acabou.
Uma tarde de trabalho. Ônibus, superlotado, no mesmo horário pra voltar para o conforto do lar. Em casa [cada um na sua], o banho. Depois, a Loren abre a embalagem de tintura para cabelo, feliz e realizada e, some com a raiz preta do seu cabelo loiro. Faz o serviço com habilidade profissional. Mela-se toda num orgasmo louro-claro. A marca eu não conto. Não vou fazer propaganda gratuita para o produto.
O Alberto, quando sai do banho, maternalmente esponjado por sua mãe deixa atrás de si, na banheira, uma água suja e também, esporrada e pede com voz doce e infantil para ela fazer guisado de mandioca com carne, que ele ta morrendo de fome.
Nenhum dos dois, caixa e encarregado, morreram de amor.
Um encontro não muda a vida de ninguém.
Amanhã, às sete horas, o supermercado “amorbarato” abrirá normalmente.
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