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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Quem é muhpanzinho e o que é sua máquina de errar no tempo ¿


Hannah Arendt responde em “a condição humana”


“A rigor, o domínio dos assuntos humanos consiste na teia de relações humanas que existe onde quer que os homens vivam juntos. O desvelamento do “quem” por meio do discurso e o estabelecimento de um novo início por meio da ação inserem-se sempre em uma teia já existente, onde suas consequências imediatas podem ser sentidas. Juntos, iniciam novo processo , que finalmente emerge como a singular estória de vida do recém-chegado, que afeta de modo singular as estórias de vida de todos aqueles com quem ele entra em contato. É em virtude dessa teia preexistente de relações humanas, com suas inúmeras vontades e intenções conflitantes, que a ação quase nunca atinge seu objetivo; mas é também graças a esse meio, onde somente a ação é real, que ela “produz” estórias, intencionalmente ou não, com a mesma naturalidade com que a fabricação produz coisas tangíveis. Essas estórias podem então ser registradas em documentos e monumentos, podem tornar-se visíveis em objetos de uso e obras de arte, podem ser contadas e recontadas e forjadas em todo tipo de material. Elas mesmas, em sua realidade viva, são de uma natureza inteiramente diferente de tais reificações. Falam-nos mais de seus sujeitos, do “herói” que há no centro de toda história, do que qualquer produto de mãos humanas fala do artífice que o produziu, sem, no entanto, serem produtos propriamente ditos. Embora todos comecem a própria vida inserindo-se no mundo humano por meio da ação e do discurso, ninguém é autor ou produtor de sua própria estória de vida. Em outras palavras, as estórias, resultado da ação e do discurso, revelam um agente, mas esse agente não é autor nem produtor. Alguém as iniciou e delas é o sujeito, na dupla acepção da palavra, seu ator e seu paciente, mas ninguém é seu autor.

Que toda vida individual entre o nascimento e a morte possa afinal ser narrada como uma estória com começo e fim é a condição pré-política e pré-histórica da história, a grande estória sem começo nem fim. Mas a razão pela qual cada vida humana conta sua história e pela qual a história se torna o livro de estórias da humanidade, com muitos atores e oradores e ainda assim sem quaisquer autores tangíveis, é que ambas resultam da ação. Pois a grande incógnita da história, que vem aturdindo a filosofia da história na era moderna, surge não somente quando consideramos a história como um todo e descobrimos que o seu sujeito, a humanidade, é uma abstração que jamais pode tornar-se um agente ativo; essa mesma incógnita tem aturdido a filosofia política desde os seus primórdios, na Antiguidade, e contribui para o desprezo geral que os filósofos, desde Platão, sempre dedicaram ao domínio dos assuntos humanos. A perplexidade é que em qualquer série de eventos que, no conjunto, compõem uma estória com um significado único, podemos quando muito isolar o agente que pôs o processo inteiro em movimento; e embora esse agente frequentemente continue a ser o sujeito, o “herói” da estória, nunca podemos apontá-lo inequivocamente como o autor do resultado final.

É por isso que Platão julgava que os assuntos humanos, resultante da ação, não deveriam ser tratados com grande seriedade; as ações dos homens se pareceriam com os movimentos de títeres conduzidos por uma mão invisível, oculta nos bastidores, de sorte que o homem parece ser o brinquedo de um deus. É digno de nota o fato de que Platão, que não tinha indício algum do moderno conceito de história, tenha sido o primeiro a inventar a metáfora do ator que, nos bastidores, por trás dos homens que atuam, puxa os cordões e é responsável pela estória. O deus platônico é apenas um símbolo do fato de que as estórias reais, ao contrário das que inventamos, não têm autor; como tal, é o verdadeiro precursor da Providência, da “mão invisível”, da Natureza, do “espírito do mundo”, do interesse de classe e de outras noções semelhantes mediante as quais os filósofos da história cristãos e modernos tentaram resolver o desconcertante problema de que embora a história deva a sua existência aos homens, obviamente não é, todavia, “feita” por eles.
(...)

A invenção do ator que se esconde nos bastidores decorre de uma perplexidade mental, mas não corresponde a qualquer experiência real. Com essa invenção, a história resultante da ação é falsamente interpretada como uma história ficcional, na qual um autor realmente puxa os cordões e dirige a peça. A história de ficção revela um produtor, tal como qualquer obra de arte indica claramente que foi feita por alguém _ e isso não é próprio do caráter da história mesma, mas apenas do modo pelo qual ela veio a existir. A diferença entre a história real e a ficcional é precisamente que esta última é “criada”, enquanto que a primeira não o é de modo algum. A história real, em que nos engajamos enquanto vivemos, não tem criador visível nem invisível porque não é criada. O único “alguém” que ela revela é o seu herói; e ela é o único meio pelo qual a manifestação originalmente intangível de um “quem” singularmente distinto pode tornar-se tangível ex post facto por meio da ação e do discurso. Só podemos saber quem alguém é ou foi se conhecermos a história da qual ele é o herói __ em outras palavras, sua biografia; tudo o mais que sabemos a seu respeito, inclusive a obra que ele possa ter produzido e deixado atrás de si, diz-nos apenas o que ele é ou foi.  (...)

O herói desvelado pela história não precisa ter qualidades heróicas; originalmente, isto é, em Homero, a palavra “herói” não era mais que um nome dado a qualquer homem livre que houvesse participado da aventura troiana e do qual se podia contar uma história. A conotação de coragem, que hoje reconhecemos ser uma qualidade indispensável a um herói, já está, de fato, presente na disposição para agir e falar, para inserir-se no mundo e começar uma estória própria. E essa coragem não está necessariamente, nem principalmente, associada à disposição para arcar com as consequências; a coragem e mesmo a audácia já estão presentes no ato de alguém que abandona seu esconderijo privado para mostrar quem é,  desvelando-se e exibindo-se a si próprio. A dimensão dessa coragem original, sem a qual a ação, o discurso e, portanto, segundo os gregos, a liberdade seriam impossíveis, não é menor se o “herói” for um covarde __ pode ser até maior.”

y


ainda sei pouco
do tudo que me cerca.


o bastante.


cílios que, 
volteados, 
apontam um céu...


das mãos
molhadas que,
saltam cachoeiras...


dos pelos
vassourando
cantos insondáveis...


sinto um quase tudo
nesse pouco 
que sei.


vinte e nove de um agosto ventoso e quente...