Total de visualizações de página

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ou ainda um pouco pior


vou torturar você hoje
para aliviar
minha
culpa.


tua 
vida
escancarada numa
lupa.


aumentar seus vícios
agigantar teus erros
maximizar tua cena
quebrar a tua cara.


(o futuro corrigiu este último verso) 


engolir tuas 
risadas
mastigar tua
loucura.


tudo isso
para esquecer de mim
em você.


a lua apagou.


risadas sonoras
ecoam da
selva.


é noite em meu coração.




(escrito amargo em nove de setembro de dois mil e dez )

calcinha preta


dou gargalhada, dou dentada na maçã da luxúria, pra quê?


mamãe vou levar você para pescar no rio miranda


quinta-feira, 29 de setembro de 2011

os teus não estavam lá




sei das tuas manhas
sei de mim
menos do que sabia
um dia
do mundo inteiro




sei das tuas sanhas
daninhas
em vida agreste
sereno leste
oeste
bodoquena




sei dos teus medos
que me assustam
e encorajam
os livreiros
sujos
dum mundo em
ácaros
de livros não lidos
estantes
vazias


sei dos teus pelos
menos do que devia
puro êxtase
de quatro
em atos
dois em cena


sei de globos
que giram
giram
giram
giram
fracos
em espalhar
luzes
cruzes
cores
tremores
num teto
sobre nós redondos


(... não pise no chão .)


sei dos teus pés
por onde andam?
não sei mais
dos teus passos
por onde pisam?
por aí
aquidauana.


sei que agora
sabes também
dos medos meus
dos sumiços meus
dos desamores meus
tudo dentro
fundo
cara no chão da praça
vejo pés
muitos pés que passam na altura do meu nariz


os teus não estavam lá.



sexta-feira, 16 de setembro de 2011

" eu sou um negro gato ..."

POR QUE TE AMO

parabéns pra voce

pra nunca mais chorar - josé roberto

ta boa santa






claudio lins e tambor carioca cantam
"ta boa santa"
trilha original do filme
"dzi croquetes"

james brown dance DZi !





o pato






samba de mudar

lennie dale



... conga conga







leve

... ferve por voce








... clássicAAAAAAAAAA



















!!!
!!!

FILME HISTÓRIA DE T. LÍDIA BAÍS ,,, LÁ NO MIS-MS 19.09.2011 14 hs







quarta-feira, 14 de setembro de 2011

darlene gloria





!


toda nudez será castigada 1973

Uma abordagem sócio-histórica do filme
 “Toda Nudez será castigada” (1973).



“[...] Eu dirigi pouco teatro, duas peças... três. Mas prefiro dirigir cinema, porque você tem mais controle. No teatro, por mais que você dirija o ator, ele nunca te obedece. Você vira as costas, ele inventa. E como eu sou obsessivo, odeio que mudem... No cinema você pára ou corta; agora é close, vamos fazer assim. Então há um controle maior sobre o ator. Você pode enriquecer muito mais, porque uma pessoa nunca está apenas em "plano geral", como se diz no teatro. Teatro é chato. O montador Mair Tavares me dizia isso: "Acho o teatro chato porque é tudo no plano geral". Isso é genial! No cinema você aproxima, filma dentro da boca do cara, filma de costas, de cima. Com a câmera, você aprofunda o significado das falas e o que o ator tem a dizer, ou o que ele tem para mostrar, ou o gesto ou o que for. A câmera sublinha, critica, é uma espécie de alter-ego do ator, ela faz um contraponto com ele. De certa forma, ela é um interlocutor do ator, é como se fosse outro personagem. Você tem o ator e a câmera. No teatro, o ator está mais sozinho, ele só interage com atores. No cinema, a câmera tem uma função de interação mesmo. É como se ela fosse um personagem”.[1]


Neste trecho de entrevista concedida por Arnaldo Jabor, o diretor deixa clara sua preferência pelo cinema, apesar de ter dirigido algumas peças. Segundo o mesmo, no cinema, controla melhor o resultado. Interessante notar o poder do diretor de cinema sobre sua obra. O seu olhar é a objetiva do espectador. Ao cortar, juntar fitas, aproximar a câmera para obter um close, afastá-la e registrar um “plano geral”, o diretor de cinema empresta um olhar, ou vários olhares ao expectador que, inocentemente, acredita observar a “imagem-objeto”[2]  a partir de sua ótica e perspectiva próprias. Houve sim, a focalização de “uma pseudo-imagem da realidade”[3], porém, determinada pela perspectiva autoral de quem fez o filme.
A obra aqui analisada, a partir de uma perspectiva sócio-histórica é o filme  Toda Nudez será castigada do jornalista e cineasta Arnaldo Jabor, realizado em 1973 e que produziu além de outros, os filmes: Eu Sei Que Vou Te Amar (1984),  Eu Te Amo (1980) e  O casamento(1975) também adaptado de texto homônimo de Nelson Rodrigues como o “Toda nudez...”. Este ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim em 1974, além de dois Kikitos de Ouro no Festival de Gramado, nas categorias de Melhor Filme e Melhor Atriz para Darlene Glória que interpretou o personagem Geni, além de ter suscitado da crítica brasileira e internacional, muitos elogios e comentários favoráveis.
Arnaldo Jabor realizou “Toda nudez será castigada” explorando os limites entre o kitsch e a experimentação estética, entre a tragédia moderna e o melodrama, deixando claro nesta obra o desejo __ mesmo sob uma ditadura militar __ de fazer avançar o debate sobre a representação da experiência brasileira, retomando questões postas pelo Tropicalismo em 1967-68. O filme capturou uma atmosfera irônica de autodesqualificação do povo brasileiro advinda dos desdobramentos do pós 1964. A tragicomédia se afirmou, então à época, como uma nova forma de qualificar o drama social brasileiro e Jabor a radicalizou neste filme.
A fim de realizar a tarefa proposta pela professora, de análise cinematográfica como prática de ensino, na sala de aula, vou trilhar a metodologia esboçada no texto “O filme: uma contra-análise da sociedade? Do qual faço destacar”:

[...] Há poucos historiadores que, em nome do conhecimento e do saber, não tenham estado a serviço do Príncipe, do Estado, de uma classe, nação, em resumo, de uma ordem ou sistema, existente ou não, e que, conscientemente ou não, não tenham sido ministros de certo culto ou combatentes (grifo meu) de alguma causa [...] (_______, p.80).

No caso de um diretor de cine-dramaturgia_ e Jabor parece estar combatendo algo _ o observado acima cai bem, já que um filme, composto de imagens e textos __ mais imagens, é verdade __ mesmo controlado, testemunha. Testemunha as possibilidades postas ao gênio criativo durante a realização do filme. Testemunha o não-visível de uma dada sociedade, no caso de “Toda nudez...”, da sociedade brasileira sob regime militar. Testemunha o não-permitido pelo Estado através de censuras ou críticas e “Toda nudez...” não escapou aos controles militares, já que o filme foi censurado pela Polícia Federal em 29 cinemas no Rio de Janeiro, de acordo com entrevista já citada, voltando a ser liberado, somente após receber o prêmio de melhor  Filme em Berlim. Assim sendo, estudar um filme é “associá-lo com o mundo que o produz”[4] , considerando-o, não como uma obra de arte, mas sim como um produto, uma imagem-objeto, cujas significações não são somente cinematográficas.
Antes de iniciarmos a análise das significações de “Toda nudez...”, retomemos a imagem-objeto visível, que o filme de Jabor propõe, ainda que, resumidamente: __ Em uma família tradicional, Herculano, um homem puritano que só tinha tido uma mulher na vida, prometeu para Serginho, seu filho, enquanto a esposa agonizava, que jamais teria outra mulher. Pautando sua vida por rígidos códigos familiares e religiosos, continua decidido a manter-se fiel à mulher falecida. O vazio existencial de um núcleo familiar esgarçado pela morte da mulher, o leva a uma profunda depressão que preocupa suas tias. Estas, temendo que ele cometa suicídio, suplicam ao outro sobrinho, Patrício, irmão de Herculano, que procure alguém para preencher o vazio na vida dele.
Patrício, desempregado, dependente de Herculano, decide apresentá-lo a Geni, uma cantora de bordel e meretriz. Para Patrício, o sexo é a solução para o irmão. Herculano consegue romper com a memória da falecida e encontra em Geni a realização da sua felicidade sexual. Por outro lado, Geni encontra nele a segurança material que nunca teve.
Serginho, o filho que vive da memória da mãe morta, ao surpreender o pai com Geni, fica totalmente transtornado e se dirige a um boteco, e depois de embriagar-se, provoca uma briga e termina preso. Recolhido na cadeia, é estuprado por um ladrão boliviano.
Uma vez solto, decide aceitar o casamento do pai com Geni. Mas seus motivos são perversos. Serginho seduz Geni e passa a envolvê-la e ser seu amante. É a forma encontrada por ele para vingar a infidelidade do pai __ sendo amante da madrasta.
Mais tarde, Geni, apaixonada por Serginho, se transtorna e comete suicídio quando vê Serginho fugindo de avião com o ladrão boliviano.
O filme traça um retrato da hipocrisia moral da sociedade e gira em torno da família de um viúvo que jurou nunca mais se casar, mas que se apaixona por uma prostitutta. Como em toda obra de Nelson Rodrigues, o filme é provocativo e não aceita meios-termos: no caso, ou se tem a castidade absoluta, vivenciada pelo filho Serginho, exigindo o mesmo do pai viúvo, ou a devassidão sexual oportunizada por Geni.
Partindo do presente, toda a ação se resume a um grande flashback da narrativa de Geni, onde a história do complicado e obsessivo casal vai se desnudando aos poucos para o público.
  
Qual a abordagem sócio-histórica que o filme autoriza então? Além do drama familiar, claramente exposto, a adaptação da peça de mesmo nome de Nelson Rodrigues, “Toda nudez...” é, sem dúvida, um drama sobre a classe média brasileira que se confunde ao oscilar entre a burguesia (a família de Herculano) e o proletariado, representado no filme pela prostituta, suas colegas e pelo povo anônimo, capturado pela objetiva de Jabor nas cenas externas. Aliás, uma das mais bonitas do filme, quando Herculano decide pedir Geni em casamento. A cena é toda filmada por uma câmera escondida, de onde poderia focar os rostos dos personagens em meio a multidão, num cruzamento de trânsito no centro do Rio de Janeiro. Quando Geni diz o seu sim, aceitando casar-se com Herculano deixando a vida de devassidão, sai dançando no meio da rua entre o povo, trabalhadores, ambulantes e transeuntes numa espécie de grande valsa proletária. Há aqui, sem dúvida, uma referência ao descaso do governo militar para com este mesmo povo, quando se aliou a uma classe média, a fim de ascender ao poder. Entretanto, esta mesma classe média brasileira foi  e já estava alijada do poder em 1973, ano de filmagem deste filme, pois, conforme historiografia brasileira, o regime militar deixou-se seduzir por capital estrangeiro, restando a classe média, aliar-se ao proletariado brasileiro para voltar ao poder.
As análises feitas dessas imagens permitem assinalar o conteúdo latente do filme: a luta de classes entre a burguesia e os operários, vivendo então, uma espécie de trégua a partir dos anos 1970 no sentido de vencerem um inimigo comum, o capital estrangeiro, apoiado e representado pelo regime militar. O casamento de Herculano com Geni, é uma representação desta classe média em bancarrotas, desesperada para sobreviver, fazendo concessões ao povo, Geni. 
Analisar os acréscimos, supressões, modificações e imersões realizados por Jabor ao adaptar a peça de Nelson Rodrigues me permitiram descobrir um “zona de realidade não-visível”[5]  ao olhar de um expectador comum. Investigando a crítica a respeito do filme; a censura executada pelo governo no lançamento do filme, inclusive autorizando o retorno, somente com modificações na cena final; os prêmios recebidos e entrevista concedida por Arnaldo Jabor, pude percorrer um caminho mais analítico, conseguindo perceber na obra de Jabor, mais do que um melodrama nacional, as menções políticas e sociais, presentes no filme que mostram bem a relação entre as classes: ao se casar com Herculano, Geni, a perfeita representação do povo, há de se comportar de acordo com os valores morais, religiosos e políticos, instituídos na classe instruída para assim ser aceita no meio.
A tragicomédia, estilo que se encontra entre a tragédia moderna e o melodrama se afirma, então, com a objetiva de Jabor, como uma nova forma de qualificar o drama social brasileiro e “Toda nudez...” radicaliza esse gênero cinematográfico.
Entre as supressões e modificações feitas, livremente, por Jabor, no texto de Nelson Rodrigues, a que melhor explicita o espírito da tragicomédia, produzindo uma crítica ao machismo presente no governo brasileiro, na época, representado pelas forças armadas, instituição predominantemente masculina, é o desvio do personagem principal que, na peça cabe à Herculano, para a mulher Geni. É ela que, no filme, mesmo morta, narra toda a história deixando ao personagem Herculano nenhum poder para mudar os fatos. Tudo já está consumado. É Geni quem surpreende Herculano com revelações, e a este, só resta surpreender-se com os fatos. O Homem aqui se encontra sem força nem controle. Uma crítica ao machismo vigente na sociedade brasileira de então. Nem o bigode, ostentando uma aparência viril na imagem de Herculano, construída por Jabor, o salva da posição de expectador dos acontecimentos, deixando à Geni o protagonismo  na trama cinematográfica. Assim,

[...] há uma forma de compor ambientes burgueses e fazer “significar a cenografia ou o lado simbólico de uma fisionomia que permite destacar outro recorte de relações no cinema brasileiro. Há uma forma irônica de existir tipos cafonas que ostentam uma relação desajeitada entre aparência viril e bigode, [...] cenografia e fisionomia sugerem relações de longo alcance e com mais conseqüências a explorar[...] (XAVIER, 2001, 103).

Voltemos à seqüência da casa-tumular, onde acontece o suicídio. É notória, na casa que “enterrou” Geni, a decoração da propriedade de Herculano, cheia de quadros e esculturas, pintura acadêmica de mulheres, algumas envolvidas em lençóis brancos, num jogo de ocultação e sedução. Parece uma espécie de galeria, projetando uma vontade de civilização, muito comum às classes médias que se ostentam desejando um elo com a “alta cultura”. “Toda nudez...”, de Jabor, começa com a entrada de Herculano num cenário aparentado a galeria ou a um museu clássico: o casarão cheio de quadros e imagens de mulheres na parede acusam Herculano como se fossem olhares da tradição. Mais uma vez, o homem central da peça de Nelson é colocado como coadjuvante pelo filme de Jabor, que faz uma opção declarada por Geni, ou será, pelo Povo Brasileiro?
Em “Toda nudez...” é Geni o pólo da experiência e, Herculano, o da tosca inocência __ Há em Herculano, durante todo o filme, uma constante melancolia masculina (ele não sorri) que observamos com ironia, em razão, acredito eu, de algo na sua fisionomia, que tem a ver com o bigode__ tosca porque fora de lugar e de hora e porque não cai bem à figura do protagonista a situação final, quando ele é observado por aquele excesso de imagens femininas penduradas propositalmente, pela cenografia, na parede. “Imagens-espelho desse tipo são freqüentes nos filmes que, entre os anos 1960-80, adaptaram Nelson Rodrigues, corroborando a estilização do ambiente burguês, presente na tela desde os anos 1930, passando pela produção da Vera Cruz” (XAVIER, 1999, p.47).
A adaptação do texto de Nelson Rodrigues, realizada por Jabor em 1973, inseriu-se num movimento maior do cinema brasileiro, que, a partir de 1969-70, saltou da tematização do mundo do trabalho e das questões sociais da vida pública para o “drama de família”. Conflitos de gerações; a opressão doméstica e o crime passional e a degeneração da “casa-grande”(burguesia) no estilo álbum de família ganha lugar, sinalizando crises e mudanças. Ou seriam censuras? Controladas pelo braço estatal cinematográfico, a Embrafilme? O que torna mais interessante a análise deste filme de Jabor é o fato do mesmo ter sido financiado por este órgão, sob tutela militar, e mesmo assim, conter um conteúdo latente tão crítico e político, mesmo que ocultado pelo conteúdo aparente: a tragicomédia familiar. O filme, o tempo todo sinaliza uma zona de realidade (social) não evidente, vindo a tona, e, confirmando-se, somente com investigação criteriosa da obra original; da adaptação; do contexto histórico da época da realização do filme; do comportamento crítico do diretor, hoje comentarista da maior rede de televisão do país; ou seja, estudar o filme e associá-lo com o mundo que o produziu, seja ele “[...] imagem ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é História”.[6]
Foi preciso que eu me detivesse não somente nas imagens _ que me encantavam o tempo todo _ mas também na narrativa, no cenário, no texto, no regime de governo, no autor, nas críticas, ou seja, em todas  as relações do filme com aquilo que não era o filme. Assim agindo, espero ter conseguido chegar à compreensão não apenas da obra, mas também da realidade que “Toda nudez será castigada” representava ou fez-se representar pela direção de Arnaldo Jabor. A título de encerramento, gostaria de transcrever a fala última da personagem Geni, maravilhosamente interpretada por Darlene Glória, trabalho que lhe rendeu o Urso de Prata, no Festival de Berlim de 1974, que na cena final de “Toda nudez...” ecoava de uma fita gravada, minutos antes de suicidar-se:

“ [...] Herculano! Teu filho fugiu, sim, com o ladrão boliviano. Foram no mesmo avião, no mesmo avião. Estou só. Estou só, vou morrer só. Não quero nome no meu túmulo! Não ponham nada! E você, velho corno! Maldito você! Maldito o teu filho, e essa família só de tias. Lembranças à tia machona. Malditos também os meus seios!”. (Geni in Toda Nudez será castigada, filme de Arnaldo Jabor)


Assistir a estas cenas novamente, depois de tantos anos, emocionou-me muitíssimo. Todos os aplausos a Darlene Glória. Até hoje, a mais brilhante tradução de Nelson Rodrigues para o cinema. Arnaldo Jabor adapta a peça com indisfarçável admiração, mas também plena autonomia. No percurso, recebe o auxílio luxuoso e explosivo de Darlene Glória, sem a qual, Herculano prevaleceria como na peça. A exuberância de sua performance reforça o caminho tomado pela adaptação que, entre as tantas mudanças, desloca o foco de Herculano para Geni, e o mérito final é, sem dúvida, Darlene Glória! Glória! Glória!





FONTES:


__________________________.  O Filme: uma contra-análise da sociedade?

JABOR, Arnaldo. Tramas Familiares. Entrevista concedida à Ismail Xavier. Disponível em: <http//www.jornalismo.ufsc.br/nelson_rodrigues> acesso em 13 de março de 2008.

Toda Nudez será Castigada. 1973. Filme de Arnaldo Jabor, adaptado da peça homônima de Nelson Rodrigues.

XAVIER, Ismail. Nelson Rodrigues no cinema (1952-1988). Cinemais, Rio de Janeiro, n. 19, set. out. 1999.

______________.  O Cinema Brasileiro Moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

______________. Cinema: revelação e engano. In.:  O Olhar. (organizador) Adauto Novaes. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.  









[1] Entrevista concedida por Jabor, diretor e produtor da adaptação de “Toda nudez será castigada”, filme baseado em peça homônima de Nelson Rodrigues, para o cinema. In.: JABOR, Arnaldo. Tramas Familiares.  Disponível em: <http//www.jornalismo.ufsc.br/nelson_rodrigues> acesso em 13 de março de 2008.
[2] O Filme: uma contra-análise da sociedade? In.: ____________, p. 87.
[3] Id, p.87.
[4] Ibdi, p 86.
[5] Ibid, p.93.
[6]  Ibid.,  p. 85.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

a felicidade é como pluma que o vento vai levando pelo ar...



"a felicidade"
por 
tom zé







a (re) territorialização do patrimônio cultural tombado do porto geral de corumbá-ms

hélèlenemarie dias fernandes entrevista juliano 

no contexto do desenvolvimento local

http://www.marieconsultoria.com.br/

a alma de genet vagueia na prisão de fresnes

Vigilância e punição:   a alma de Genet vagueia na prisão de Fresnes.


“[...] todos os meus livros, [...] podem ser pequenas caixas de ferramentas. Se as pessoas querem mesmo abri-las, servirem-se de tal frase, tal idéia, tal análise como de uma chave de fenda, ou uma chave inglesa, para produzir um curto circuito, desqualificar, quebrar os sistemas de poder, inclusive, eventualmente, os próprios sistemas de que meus livros resultaram... pois bem, tanto melhor!” (FOUCAULT; 2006, p. 52).



Pensar, ler, analisar ou, como ele mesmo o disse: “[...] produzir um curto circuito[...]”, a partir da obra de Michel Foucault, não é tarefa fácil de ser realizada sozinho, sem um acompanhamento especializado e teórico. Tivemos o privilégio de fazer a leitura em grupo, na sala de aula e com orientação e acompanhamento da professora responsável pela disciplina Teoria da História II, deste curso que licencia professores-pesquisador em História. A obra proposta pela professora foi Vigiar e Punir, escrita em 1977 dentre vasta produção científica deste “demolidor de certezas”[1] . Nesta, Michel Foucault dispensa o “sujeito”, prefere analisar o “sistema” que utiliza o “saber” para controlar com o “poder”. Numa micro-análise dos procedimentos para com o corpo Foucault investiga e ilustra  a intenção de torná-lo dócil. Desta maneira, “a arte de dispor” destes corpos, a disciplina, torna-se esquema forte, corrente e, às vezes, o único presente em instituições, como na escola, no exército, no hospital, no orfanato, e nas prisões. Durante as semanas lendo e estudando esta obra, vinha-me sempre à mente outro escritor, este, no entanto, escreveu literatura, mas também francês, como Foucault, cuja obra Vigiar e Punir de Foucault evocava sem, no entanto, citá-lo uma única vez. E não poderia, já que Foucault não faz a história do sujeito nesta obra, mas a do poder que reprime, vigia e anula o sujeito. Uma micro-análise da ação deste  poder sobre os corpos.
Meu primeiro contato com Foucault deu-se nos anos de estudos em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás; lá líamos Michel Foucault como um filósofo _ e devo confessar que o líamos pouco e sem nenhum incentivo favorável da parte de nossos professores _ e não como um historiador ou um arqueólogo do saber. A abordagem da leitura orientada pela professora, agora, no curso de História, apresentou-me a outro Foucault; distante daquele filósofo colocado à margem por meus pretéritos professores de Filosofia, naquela referida universidade, como um filósofo “marginal”. Acredito que Foucault adoraria o adjetivo.
O contemporâneo de Foucault que as leituras de Vigiar e Punir, muito bem conduzidas pela professora Nanci Leonzo, me traziam, a todo o momento, a mente, era Jean Genet. Mendigo, homossexual e ladrão, o último dos poetas malditos, na tradição de Baudelaire e Rimbaud, Jean Genet tornou-se um dos maiores escritores de seu tempo. As concordâncias e discordâncias entre estes dois franceses, um anunciando-se como estudioso da situação do outro; noutro, gritando a expressão viva do objeto estudado;  suas obras  e biografias, tomadas em paralelo me tentaram na  direção de um desafio: o de trilhar o caminho teórico de Foucault em Vigiar e Punir com as pernas e mente de Jean Genet, expressas na obra Nossa Senhora das Flores, escrita durante uma de suas várias prisões, desta vez na Prisão de Fresnes-França em 1942; a fim de entender como se organizava, na prisão de Fresnes, o jogo dos poderes sob Genet, e como este, resistiu, se é que resistiu, às técnicas e estratégias criadas pelo saber a fim de aparelhar este jogo. Mas não nos adiantemos.
Havia lido Nossa Senhora das Flores escondido, em minha cela, no Mosteiro de São Bento em Goiás. A obra não era permitida a noviços. Uma transgressão, confesso.  Uma leitura perturbadora na época. Depois reli apaixonadamente, me identificando um pouco com algumas situações vividas por Genet, através dos seus personagens, que segundo Sartre “eram ele, Genet quem vivia a liberdade na pele de seus personagens”[2], mesmo encarcerado na Prisão de Fresnes. Com o estudo de Vigiar e Punir, voltei a ler “Nossa Senhora...”  concomitantemente com o estudo dirigido desta obra em sala de aula. Quanto mais compreendia a história das prisões feita por Foucault, mais preso me sentia junto a Genet no “[...] fundo da (cela) 426 [...]”[3];  local donde Genet atirava sorrisos de amor aos jovens aviadores que sobrevoavam sua prisão durante a Segunda Guerra Mundial, conforme escreveu nas primeiras páginas desta novela, altamente poética e, louca, por que não ?
Neste percurso, outro texto me chegou às mãos: uma coleção de entrevistas concedidas por Michel Foucault e editadas no Brasil em 2006. No capítulo Dos Suplícios às celas[4],  Foucault esclarece alguns pontos dessa história do poder de punir os homens desde os suplícios na Idade Média, passando pelas mudanças ocorridas no fim do século XVIII, chegando nas prisões do século XIX, onde não se exibe mais o corpo condenado, pelo  contrário, agora ele é posto em lugares escondidos e escuros, as prisões e suas celas. Não mais o corpo supliciado. Agora, a alma é que deve ser “reeducada”[5]. No fim dessa entrevista, em que trata das prisões, Foucault diz:

“[...] Meu discurso é, evidentemente, um discurso de intelectual e, como tal, opera nas redes de poder em funcionamento. Contudo, um livro é feito para servir a usos não definidos por aquele que o escreveu. Quanto mais houver usos novos, possíveis, imprevistos, mais eu ficarei contente”.(FOUCAULT; 2006, p. 52)

Usos novos... Imprevistos... Possíveis... Foi aí que me coloquei o desafio: porque não fazer um ensaio de Vigiar e Punir referendado pelas percepções de Genet, encarcerado numa prisão, escrevendo para se sentir livre e ter prazer quando o que o Estado que o condenou desejava era doutrinar seu corpo, vigiá-lo e retirar-lhe toda liberdade. Acredito que à sua maneira, Genet quebrou os sistemas de poder que operavam sobre ele. Pareceu-me, lendo sua obra, é que despistou o olho que o vigiava. Oito vezes condenado por delitos graves, inúmeros intelectuais, entre eles Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Jean Cocteau e o próprio Foucault, lideraram um movimento por sua libertação quando foi condenado à prisão perpétua.
Jean Genet foi abandonado pela mãe, criado em um orfanato e, depois, por camponeses no interior da França. Quando adolescente, foi mandado para reformatórios de jovens delinqüentes. Desertou da Legião Francesa aos vinte anos e vagueou pela Europa durante a década de 30, vivendo do roubo e da prostituição. Até os trinta anos, praticamente não tinha lido nada. Vivia-se em plena Segunda Grande Guerra, e a França havia sido ocupada pelos alemães. As prisões estavam repletas de professores, políticos e intelectuais, na maioria resistente ao nazismo. Foi aí que leu pela primeira vez, e de cara uma leitura pesada e difícil: Marcel Proust. Começou então a escrever na prisão sobre si mesmo, relembrando sua infância infeliz, seus anos de vagabundagem e o convívio permanente com marginais e criminosos. Foi aí, durante a Segunda Grande Guerra, preso na cela 426 da Prisão de Fresnes, que Genet escreveu, em papel marrom (destinado a fabricação de sacolas nas oficinas do presídio) e a lápis,  Nossa Senhora das Flores, livro que vamos percorrer daqui em diante, tendo sempre em mente os conceitos de Foucault em  Vigiar e Punir. Percebe-se, por esta curta biografia, que Genet poderia ser com muita propriedade, objeto de estudos de Foucault. Genet se fez sujeito, a despeito do poder que o oprimia, servindo-se de um saber para criar um sistema que o anulasse. O  “não-sujeito”, produzido pelo sistema prisional, que segundo Foucault é uma invenção vinda de diversas épocas mas, refinada como sistema, no início do século XIX. Vejamos então. Uma nova sociedade, a moderna, exigia novas relações de poder, nesse intuito, não pouparam saberes. A Sociedade Burguesa precisava ser defendida e ter seus membros protegidos desse grupo de marginalizados, os delinqüentes, no qual Genet se incluía.
Acredito que seu primeiro ato de resistência na prisão foi burlar a carceragem e levar escondido das oficinas de trabalho, pequenas folhas de papel marrom, destinadas a fabricação de sacolas, onde começa a escrever sua história, ou a história de uma liberdade vigiada, a história de Nossa Senhora das Flores. Não pensava em publicá-la, escrevia para si. A liberdade que Genet perdera ao ser condenado reavia-a ao criar personagens e dispor de seus destinos com uma providência de autor livre, um quase Deus.
Numa cela de prisão as pessoas se entediam, e o tédio leva a docilidade, oportuna ao Estado que julga, condena e encarcera. Genet, porém, não se entedia. Cria personagens e os coloca em situações de extrema liberdade e através deles passeia, visita ruas, becos, transa, rouba e maltrata-os e, quando de volta à sua cela, Genet se masturba. Sente prazer. Prazer negado pela vigilância da carceragem. Genet me parece uma ilha de resistência, mesmo sob um complexo de poder agindo sobre ele. Quando Genet quer se satisfazer, ele não imagina que está representando; ele se satisfaz estando como criador. Incapaz de cavar para si mesmo, no universo, um lugar, já que preso no seu buraco, ele imagina, para se convencer, que criou o mundo que o excluiu. “[...] Na prisão ele solta as amarras, escapa para fora do universo. No isolamento da cela a imaginação do prisioneiro assume um valor cósmico [..]”[6] . Este texto de Jean Paul Sartre, que serviu de apresentação a uma edição brasileira de Nossa Senhora das Flores foi extraído do estudo Saint Genet, comédien et marty., onde Sartre escreve sobre Jean Genet e sua obra.
Quando a sociedade exclui Genet, ele recria a mesma sociedade a partir de seu universo imaginário e se diverte livremente, mesmo que encarcerado, com ela. Zomba dela.  A sociedade não vive sem ele e seus marginais, mas ele ali, vigiado e punido, vive sua liberdade sem ela. Porém, não esqueçamos, Genet está aprisionado.
A descrição que Genet faz da sua cela e do cotidiano experimentado solitariamente nela, vai de encontro aos mecanismos que o saber coloca a serviço do poder de punir, descritos e analisados por Foucault em Vigiar e Punir,  tais como: controle de horário; arte de dispor em filas; emprego eficiente e controlado do tempo; uniforme e marcha; todos recursos utilizados para o adestramento do corpo.
Genet recorta fotografias de condenados dos jornais velhos que chegam à prisão e coleciona-os como um jardim de flores. É sua inspiração para escrever e imaginar personagens, como para sentir prazer masturbando-se, isso com dificuldade“[...]os jornais quase não chegam à minha cela, e pilharam as melhores páginas das suas flores mais belas, os cafetões, como jardins de maio[...]”[7]. Contudo, conseguiu umas vinte fotografias recortadas de jornais e as colou com migalhas de pão amassado no verso do quadro de regulamentos de cartolina pendurado na parede da sua cela. Confirmam-se aí, as descrições de Foucault quanto à disciplina e a regulamentação das atividades dos presos dentro das prisões. Ao referir-se ao quadro de regulamentos na sua cela, Genet nega-se a cumpri-lo, quando “[...] à noite, enquanto vocês abrem suas janelas para a rua, eu viro para mim as costas do regulamento [...]”,encontra homens e sorrisos que o excitam, presidem seus hábitos e “[...] são toda a minha família e os meus únicos amigos [...] De noite, eu os amo e o meu amor os anima. De dia me ocupo das minhas pequenas tarefas [...]”[8]. Podemos inferir daí que Genet resistia ao regulamento, mesmo que simbolicamente, virando durante a noite, o quadro de regulamentos da sua cela; ainda assim, durante o dia, cumpria suas pequenas tarefas, reguladas em horários, num controle rígido do tempo e dos gestos, criada e vigiada pelos agentes deste sistema prisional.
Sabemos que em todas as prisões deve-se manter o preso ocupado durante o dia, sempre sob vigilância. Genet compara-se, ironicamente, a uma dona-de-casa, que tem suas tarefas realizadas cotidianamente com resignação.

[...]mas de noite! O medo da vigilância que pode iluminar de repente a lâmpada elétrica e que passa a cabeça pelo postigo recortado da porta me obriga a tomar precauções sórdidas para que o amarfanhado dos lençóis não acuse o meu prazer mas, se meu gesto perde em nobreza, ao se tornar secreto, aumenta minha volúpia [...]” (GENET; 1989, p.54)

Medo da vigilância. Se o próprio Genet teme o olhar que pode surpreendê-lo, prova-se então a funcionalidade do panopticon, sistema bem descrito, em seu funcionamento, por Michel Foulcault, aliás, ponto chave desta obra; é aí, segundo Foucault, onde o mecanismo de poder, por excelência, funciona.: o panopticon de Jeramy Benthan. O poder não está mais no indivíduo _ como ao tempo dos reis _ e sim no sistema. O poder é desinvidualizado.
Ainda sobre a vigilância exercida sobre Genet em Fresnes: “ [...] às vezes, o guardião com pés de veludo me atira, pela portinhola, um bom dia. Ele me fala e me conta sem querer dos meus vizinhos [...] ele fecha batendo a portinhola e me abandona, em colóquio, com todos esses belos senhores que ele acabou de deixar se insinuar na minha cela [...]”. É com essas notícias, vagas, trazidas pelo carcereiro displicentemente que Genet refaz, a sua moda, e para o “encantamento da sua cela” novas histórias e personagens e “[...] podem acreditar, minha própria história” confirma  Genet.
Sobre o cotidiano em Fresnes, Genet assinala:”[...]Todos os dias os guardas abrem minha porta para que eu saia da minha cela, vá para o pátio tomar ar. Durante alguns momentos, nos corredores e nas escadas, cruzo com ladrões [..]”. Ladrões, gatunos, golpistas, assassinos, cafetões, são os tipos vigiados na mesma prisão que Genet cumpre pena. É deles que Genet tira inspiração para estar livre em seu desejo:

“ [...] Estou esgotado das viagens inventadas, dos roubos, dos estupros, dos assaltos, das prisões, das traições em que estaríamos envolvidos [...] estou esgotado; meu pobre pulso está com cãibras. A volúpia das últimas gotas está seca. Vivi com ele, dele, entre minhas quatro paredes nuas e em dois dias, todo o possível de uma existência vinte vezes revivida, confundida a ponto de ser mais verdadeira do que uma verdade.” (GENET; 1989, p.73).

A verdade que Genet recria, preso numa prisão, libera sua alma, justamente aquela que a sociedade e os saberes estabelecidos desejam controlar e subjugar, utilizando-se do poder de punir. Apesar disso, a alma de Genet parece a mesma transloucada, marginal e livre. O poder, ou a justiça que julgou Genet, não me pareceu capaz de punir sua alma. Seu corpo está preso, revestido de relações de poder, para usar as palavras de Foucault, contudo, não limitou a sua capacidade de imaginar, viajar, vaguear “livre”, na prisão de Fresnes. É contra a sociedade que reprimiu Genet, punindo-o e colocando-o sob vigilância, que ele regurgita suas histórias, se fazendo Deus de seus personagens,  absolvendo-os ou condenando-os, conforme o seu deleite.
Muitas foram as estratégias de poder que o sistema  imputou a Genet,  desde sua passagem por orfanatos, casas de correção, até as prisões. Os saberes constituídos para controlar o corpo, posto em jogo por estes aparelhos e instituições, pelas quais passou Genet, reprimiram-no, quiseram tratá-lo, corrigi-lo ou transformá-lo. No entanto, percebe-se através de sua obra, que sua alma não foi atingida ou reeducada, como supôs Foucault na sua história das prisões, ao tratar das técnicas “eficientes” utilizadas nestes lugares, que chamou de “tecnologia política dos corpos”. Acredito ter localizado em Jean Genet, mais especificamente em Nosssa Senhora das Flores uma prova de que é possível encontrar flancos e teias abertas no sistema.  O que expõe as fragilidades deste mesmo sistema. Isso, lá nos anos 1940, na França. O que diríamos então das prisões brasileiras, hoje? Como bem disse a professora Nanci Leonzo, durante suas aulas nesta turma do quarto ano de História, “[...] hoje, a ineficácia do Sistema Penal se generalizou [...] a violência passou para a sociedade como um todo[...]”.
Gostaria de encerrar este trabalho transcrevendo os trechos do fichamento que fiz da obra Nossa Senhora das Flores, todos muito colaboradores numa futura e pormenorizada análise de Vigiar e Punir, já que aqui, não haveria espaço e tempo para tanto. Menor rejeitado pelos pais, depois por uma sociedade que o incluiu na categoria dos “diferentes”, Genet decidiu fazer dessa rejeição sua própria ética. Suas histórias são centradas na convivência com marginais e condenados, que conheceu dentro e fora das prisões em que esteve. Começou, então, a escrever na prisão sobre si mesmo, relembrando sua infância infeliz, seus anos de vagabundagem e o convívio permanente com marginais e criminosos, cujas citações abaixo, retiradas desta obra escrita no cárcere, ilustram de maneira muito apropriada a análise foucaultiana.


“Um guarda abre a porta e empurra um novato para dentro da cela.[...]Ele traz consigo umas cobertas, uma gamela, uma caneca, uma colher de pau e suas história. [...]” (GENET; 1989, pp. 212-13).

“[...] Já não estou mais sozinho, mas isso me faz ficar mais só do que nunca. Quero dizer que a solidão na prisão me dava a liberdade de estar com cem Jeans Genets entrevistos de passagem entre cem transeuntes[...]”(GENET; 1989, p. 213).

“ Ao despertar, um prisioneiro corre por todo o corredor e bate uma vez em cada porta. Um após outro, com os mesmo gestos, três mil prisioneiros perturbam a atmosfera pesada da cela, se levantam e executam os pequenos serviços matinais. Mais tarde, uma guarda abrirá a portinhola da cela 426 para entregar a sopa. Olha e na diz. Nessa história também os guardas tem suas funções. [...] eles são os guardiões dos túmulos. Abrem e fecham portas sem se preocupar com o tesouro que protegem [...]”(GENET; 1989, pp. 209-10).

“ [...] No momento da comunhão, o capelão desceu do altar e se dirigiu até uma das primeiras celas (pois a capela também é dividida em quinhentas celas, caixões em pé), carregando uma hóstia para um prisioneiro que deveria esperá-lo de joelhos.” (GENET; 1989, p. 210).

“ [...] Está só na cela. Das narinas arranca pétalas de acácia e violetas; com as costas voltada para a porta, onde sempre um olho anônimo está espionando, ele as come [...]”(GENET; 1989, p. 208).

“ [...] a porta se abre com um estrondo de fechaduras, e o guarda grita: __ Rápido, as toalhas.” (GENET; 1989, p. 208).

“ [...] O leito de ferro preso à parede, a prateleira presa a parede, a cadeira de madeira dura presa à parede por uma corrente __ essa corrente, herança de um período muito antigo, no qual as prisões eram chamadas de calabouços ou masmorras, onde os prisioneiros, como os marinheiros, eram forçados das galés, embrenha a cela moderna num nevoeiro romântico de Brest ou de Toulon recua-o no tempo [...]fazendo-o arrepiar sutilmente, suspeitando estar na Bastilha ( a corrente é um símbolo de poder monstruoso; presa a uma bola de fero agrilhoava os pés entorpecidos dos forçados das galés do rei)” (GENET; 1989, pp. 208-09).

“ [...] no terceiro andar da Prisão de Fresnes. Cá estamos. Os rodeios mais compridos me conduzem enfim à minha cela. Agora eu poderia, sem fingimentos, sem transposições, sem truques, falar da minha vida aqui. Minha vida atual.” (GENET; 1989, p. 207).

“ Diante das celas corre uma varanda interna, para a qual se abrem todas as portas. Atrás delas, esperamos pelo guarda, assumindo poses que nos identifique [...]. Minha cela é uma caixa exatamente cúbica [...]”(GENET; 1989, p. 207).

“ [...] na prisão se fecham mais portas do que se abrem”. (GENET; 1989, p. 207).

“ [...] De que verdade quero falar¿ Se é bem verdade que sou um prisioneiro que representa (e se faz representar) cenas da vida interior, vocês não devem exigir outra coisa senão representação.” (GENET; 1989, p. 180).

“ Eis como eram as noites no reformatório __ ou colônia. As cabeças desapareciam sob os cobertores nas redes imobilizadas do dormitório. O encarregado foi para o seu cubículo, que fica no fim do dormitório. O silêncio se impôs [...] fuma-se, estendidos sobre as redes, em pequenos grupos e estabelecem rigorosos planos de fuga. [...] A grande ocupação noturna, aquela que é admiravelmente própria para encantar a noite, é a tatuagem [...]” (GENET; 1989, pp. 177-78). 

“ O que tornava a colônia um reino diverso do reino dos vivos era a mudança de símbolos e, em alguns casos, de valores. Os colonos possuíam um dialeto aparentado ao das prisões, e, dessa maneira, um moral e uma política próprias [...].”(GENET; 1989, pp. 178-79).

“ As calças dos colonos só tem um bolso: mais um dado que os isola do resto do mundo. Um bolso só, à esquerda. Todo um sistema social é conturbado por esse simples detalhe no vestuário. A calça só tem um bolso, como também não o tem o calção colante do diabo, como as calças do marinheiro não tem braguilha, e não há dúvida de que eles se sentem humilhados por isso, como se alguém lhes tivesse amputado um atributo sexual masculino  __ o que na realidade é o que está em pauta;  [...](GENET; 1989, pp. 177-78).

“ A todo custo é preciso que eu volte a mim, me confesse de um modo mais direto. Quis fazer um livro de elementos transpostos, sublimados, da minha vida de condenado, mas temo que ele não diga coisa alguma dos meus tormentos [...]”(GENET; 1989, p. 158).

“ O mundo dos vivos nunca está longe demais de mim [...] está estendido a vinte metros daqui, bem aos pés destas muralhas. [...] Canto o que jamais cantei lá fora; por exemplo, esta terrível: “nós somos as corujas, os apaches, os ladrões...”, que eu cantava na Prisão Roquete com quinze anos [...]”(GENET; 1989, p. 158).

“ Creio no mundo das prisões, com seus hábitos condenados. Aceito viver aí como aceitaria, morto, viver num cemitério, contanto que eu vivesse como se estivesse realmente morto. [...] não fazer coisa alguma de limpo, de higiênico: a limpeza e a higiene são do mundo terrestre. É preciso que a gente se alimente das intrigas dos tribunais. Se alimente de sonhos. [...] e renunciar a vaidade. Não querer ser belo: querer outra coisa. Usar outra linguagem. E se acreditar aprisionado por toda eternidade. É isto, construir uma vida: renunciar aos domingos, às festas, ao tempo lá fora. Não me surpreendi quando soube dos hábitos dos prisioneiros, esses hábitos que fazem deles homens à margem dos vivos: cortar fósforos ao comprido, fabricar isqueiros, fumar uma bagana até o toco, andar em volta da cela, etc.” (GENET; 1989, pp. 1158-59).

“ Medo¿ O que poderá me acontecer pior do que já me aconteceu¿ Fora do sofrimento físico, não temo coisa alguma. A moral está presa a mim por um fio tênue. E no entanto, estou com medo. Será que de repente não percebi, às vésperas do meu julgamento, que eu aguardava esse momento há oito meses, sem sequer pensar nele¿ (GENET; 1989, p. 159).

“Era em outra prisão da França, de corredores tão compridos como os dos palácios reais, com suas linhas retas que teciam e construíam figuras geométricas sobre as quais os prisioneiros, retorcidos, pequenos em proporção à escala dos corredores, deslizavam sobre chinelos de feltro. Ao passar por cada porta eu lia a tabuleta que indicava a categoria do ocupante. Na primeira lia-se: “Reclusão”, nas seguintes: “Transporte”, noutras: “Trabalhos forçados”, o que me deu um choque. Materializou-se à minha frente A Colônia Penal”. (GENET; 1989, p. 142).

“ [...] Se tivesse que viver em total liberdade noutra cidade, eu iria primeiro a uma prisão reconhecer meus pares, os de minha raça, e assim também reencontrar você.” (GENET; 1989, pp. 112-13).

“Grito : Me segue! Me amarre! Fujo para um sonho atroz que vai atravessar a noite das celas, a noite dos espíritos amaldiçoados, dos abismos, das bocas dos carcereiros, dos peitos dos juízes, e termino deixando-me engolir muito, muito devagar, por um crocodilo gigante formado pelas baforadas do ar empestado da prisão.[...] É o medo do julgamento. Pesam sobre meus pobres ombros o terrível peso da justiça togada e o peso do meu destino. [...]”(GENET; 1989, p. 112).

“Ontem fui convocado pelo juiz. Da prisão até o tribunal, os cárceres e o cheiro do camburão me nausearam; compareci diante do juiz, branco como um lençol.” (GENET; 1989, p. 113).

“O escrivão registrou a confissão que assinei. Meu advogado ficou estupefato, apavorado. Que é que eu tinha feito¿ Quem me traiu¿ O céu¿ O céu morada de Deus e de sua corte.” (GENET; 1989, p. 113).

“ Refaço os caminhos pelos corredores subterrâneos do Palácio para reencontrar minha pequena, negra e gelada cela na Ratoeira. Ariadne no labirinto. [...] Fugir¿ Que idéia! O labirinto é mais tortuoso do que os considerandos dos juízes [...].”(GENET; 1989, p. 113).

“ O mundo inteiro que monta guarda em volta da prisão não sabe de coisa alguma sobre a desordem de um pequena cela perdida entre outras, tão semelhantes que freqüentemente eu, que as conheço bem, me confundo.” (GENET; 1989, p. 100).

“ As doces celas da prisão! Após a imunda monstruosidade da minha detenção, das minhas diversas detenções, em que cada uma é sempre a primeira, que me apareceu com os seus caracteres irremediáveis, numa visão interior de uma rapidez e de um brilho fulgurante, fatal, no aprisionamento das minhas mãos pelas algemas de aço, brilhantes como uma jóia ou como um teorema, a cela da prisão que amo atualmente como a um vício me trouxe o consolo de mim mesmo por ela mesma.” (GENET; 1989, p. 92).

“ O cheiro da prisão é um cheiro de urina, formol e pintura. Em todas as cadeias eu o reconheci, e reconheci que esse cheiro seria enfim o cheiro do meu  destino. Em cada nova escorregadela procuro nas paredes os traços das minhas prisões anteriores, isto é, dos meus desesperos anteriores, remorsos, desejos que um outro detento tenha gravado para mim. Exploro a superfície das paredes em busca do traço fraternal de uma amigo[...] Porém, não encontrei jamais senão algumas raras palavras gravadas sobre o gesso com um alfinete, fórmulas de amor e de ódio, geralmente de resignação [...] inscrições rupestres.” (GENET; 1989, pp. 92-3).

“ Puxou-se a descarga da cela ao lado. Nossas duas latrinas se comunicavam, a água passando pela minha, numa baforada de cheiro embriagadora [...]”(GENET; 1989, p. 89).

“ [...] Mas aqui (dentro de uma cela) estou bem à vontade para meditar sobre os belos mortos de ontem, de hoje, de amanhã”. (GENET; 1989, p. 79).






Referência Bibliográfica:


ERIBON, Didier. Michel Foucault (1926-1984). Tradução de Hildegard Feist.São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir.

FOUCAULT, Michel. Entrevistas. Tradução de Vera Portocarrero e Gilda Gomes Carneiro. (org) Roberto Machado. São Paulo: Graal, 2006.

GENET, Jean. Nossa Senhora das Flores. Tradução de Newton Goldman. São Paulo: Círculo do Livro,  


[1] ERIBON, Didier.  Michel Foucault 1926-1984.Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 11.
[2] GENET, Jean. Nossa Senhora das Flores. São Paulo: Círculo do Livro, 1989, p. 8.
[3] Id, p.48.
[4] Foucault, Michel. Entrevistas Roger Pol-Droit. Tradução de Vera Portocarrero e Gilda Gomes Carneiro. (org) Roberto Machado. São Paulo: Graal, 2006, pp.43-52.
[5] Id, p 43.
[6] GENET, op. Cit, p 40.

[7] Id , p. 53.

[8] Ibid, p.65.